Pesquisa faz estudo fonológico da língua sateré-mawé
Descrever e documentar uma língua indígena e seus fenômenos talvez sejam hoje os maiores desafios encontrados pelos lingüistas atuantes na Amazônia, onde está a maior diversidade – cerca de 200 línguas – e a menor quantidade de pesquisadores nessa área. Em seus estudos durante o mestrado, Raynice Geraldine Pereira da Silva fez um levantamento do patrimônio lingüístico, especificamente fonético-fonológico, da língua sateré-mawé falada no Amazonas.
A pesquisa resultou na dissertação “Estudo Fonológico da Língua Sateré-Mawé”, apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem-IEL da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde, atualmente, Raynice está cursando o doutorado. Segundo ela, seu estudo fornece subsídios para a elaboração de material didático, enriquecendo a educação escolar indígena da população sateré-mawé.
Raynice explica que os sateré-mawé apresentam uma organização sócio-cultural que permitiu a preservação da língua e dos rituais, apesar de mais de três séculos de contato com a cultura ocidental. “A língua é falada por aproximadamente oito mil indígenas, entre jovens e adultos. Eles habitam a terra indígena Andirá-Marau, localizada na região do médio rio Amazonas, na divisa do Amazonas com o Pará. No Amazonas, a área está dividida em duas regiões: a do rio Marau, que é ligada ao município de Maués, e a do rio Andirá, ligada ao município de Barreirinha”, informa.
O idioma mawé é uma das línguas de maior representatividade no Amazonas, não apenas pelo número de falantes, mas também porque apresenta uma história de contato muito particular. A pesquisadora diz que na região do rio Andirá, por exemplo, houve o contato do mawé com o nheengatu e, mais recentemente, com o português. Além disso, existem aldeias no Andirá em que crianças chegam à idade escolar monolíngües em português.
“Quando se pensa que as crianças que não falam mawé vivem na terra indígena onde, tecnicamente, é espaço do mawé e não do português, é um caso sério. Por isso, a questão da revitalização é fundamental para língua. Existe um movimento dos próprios professores indígenas sateré-mawé no sentido de revitalização da língua dentro da terra indígena”, explica.
Apesar da constatação do monolinguismo em português por partes dessas crianças, na própria terra indígena os jovens ainda falam bem a língua. Em um estudo sociolingüístico realizado por Raynice, a ser publicado na revista especializada Tellus, verificou-se não só a facilidade lingüística, mas também os usos e atitudes lingüísticas e os usos orais do mawé e do português nas comunidades do rio Andirá.
“A maioria da população sateré-mawé apresenta fluência na língua. Homens e mulheres acima de 60 anos são, em grande parte, monolíngües em mawé”, diz Raynice, acrescentando que as duas primeiras comunidades do rio Andirá, Guaranatuba e Ponta Alegre, são exceções. “Nesses locais, as crianças têm como primeiro idioma à língua portuguesa”, acentua.
De acordo com Raynice, as escolas que estão dentro da área indígena começam o processo de alfabetização em português, tornando o mawé a segunda língua de escolarização. Ainda assim, a maioria dos homens adultos e jovens é bilíngües em mawé e português, enquanto as mulheres apresentam um grau de bilingüismo variado. “Contudo, as mais jovens são mais bilíngües que as mais velhas”, diz.
O que contribui para o grau de bilíngüismo, de acordo com Raynice, é a escolaridade. Ela diz que isso se deve, talvez, ao fato de eles terem que se deslocar para as cidades próximas para dar continuidade aos estudos. “Nas interações entre jovens e adultos é possível verificar a facilidade de fluência em ambas as línguas. Nas interações com os mais velhos, a língua de uso é o mawé. Mas há uma grande quantidade de palavras emprestadas do português, que se reflete também na escrita”, informa.
Raynice pretende uma abordagem mais aprofundada na língua mawé. Em sua tese de doutorado, ela está desenvolvendo o estudo morfossintático da língua. “Provavelmente, a pesquisa resultará em uma gramática mawé, mas não pedagógica, pois ela já existe”, informa.
Sobre a dissertação
Raynice Geraldine Pereira da Silva é amazonense, graduada em Letras pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), cursou o mestrado em Lingüística no Instituto de Estudos da Linguagem-IEL da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam). Ela foi orientada pela professora Lucy Seky, que também é sua orientadora na tese em andamento intitulada “Estudo Morfossintático da língua Sateré-Mawé”. Atualmente, é bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoas de Nível Superior (Capes).
Luís Mansuêto – Agência Fapeam