Pesquisador retrata realidade da educação no Timor-Leste em entrevista à Agência FAPEAM
30/10/2013 – O mestre em Educação pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Erivelto Rodrigues Teixeira, traz em sua bagagem, enquanto pesquisador, a experiência vivida no Timor–Leste.
O professor, no ano de 2008, foi um dos educadores brasileiros selecionados para participar do Programa de Qualificação de Docentes em Ensino de Língua Portuguesa (PQLP), um programa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A principal missão do PQLP é capacitar professores timorenses para ministrarem aulas em português e, assim, reintroduzir o idioma nas escolas do país.
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A experiência do professor Erivelto rendeu uma dissertação de mestrado, intitulada ‘Cooperação Internacional em Educação: o Programa Brasileiro de Qualificação Docente e Ensino de Língua Portuguesa em Timor-Leste’ – estudo que contou com o apoio do Governo do Estado, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Estado do Amazonas (FAPEAM).
Em entrevista à Agência FAPEAM, Erivelto contou um pouco sobre a sua experiência no Timor-Leste e algumas curiosidade desse país jovem, pobre e que tem o português como uma das suas línguas oficiais.
Agência FAPEAM – Como foi ministrar aulas para pessoas que não compreendem plenamente a sua língua?
Erivelto Teixeira – Foi um grande desafio profissional. O conhecimento é universal, então, eu precisei buscar meios para me fazer compreender e no final deu tudo certo. Cresci muito como profissional e como ser humano.
AF – Qual foi o impacto da sua experiência profissional no Timor-Leste no mercado de trabalho aqui no Brasil?
Erivelto Teixeira – Sei que mudei bastante meu jeito de dar aulas. Hoje, estou bem mais paciente e tolerante. No Timor-Leste, a situação me fazia ter que explicar uma coisa de diversas formas até ser compreendido, e isso me deu uma motivação diferente. De repente, eu sabia mudar a forma de explicar algo e isso me fez crescer bastante como profissional.
AF – Você relata, em sua dissertação, que teve uma moto roubada (um item não de luxo, mas de necessidade naquele país). Você pensou seriamente em desistir da missão depois do episódio? O que te motivou a continuar na missão até o fim?
Erivelto Teixeira – Em todos os locais existem pessoas boas e pessoas más; procurei não perder o foco da minha missão no Timor-Leste. Sabia que estava em um país pós-guerra e que, portanto, estava exposto a algum tipo de violência. Isso serviu de alerta para eu não achar que estava em um mar de rosas somente porque frequentava locais onde sempre havia a polícia da ONU (Organização das Nações Unidas). E meus alunos não tinham culpa disso. O trabalho estava caminhando bem. Vi outros colegas desistirem por bem menos, por conta de alimentação, de moradia, de saudade. Bem, eu estava em missão de paz e não de guerra.
AF – Quais foram os seus métodos pessoais para conhecer melhor o professor timorense (o público-alvo da missão)?
Erivelto Teixeira – Comecei a frequentar o cotidiano deles. Quando me convidavam para festas, eu sempre aceitava. Era estranho quando eu entrava em festas de casamento e todos olhavam para mim. Um dia fiz uma viagem pelo interior do país com dois amigos em uma espécie de pau de arara. Quando subimos no caminhão, as pessoas nos diziam que gringos não andavam naquilo.No dia das aulas, nos intervalos, sempre sentava com eles e dialogava. Saber para quem se fala diz tudo da forma como você deve executar um trabalho.
AF – Em sua opinião, houve resistência à língua portuguesa no Timor-Leste? Em que medida isso atrapalhou o objetivo principal da cooperação/missão, que é reintroduzir o português nas escolas timorenses?
Erivelto Teixeira – A entrada da Língua Portuguesa no país foi uma decisão política. No cotidiano dos timorenses, a língua portuguesa é uma utopia. Eles assistem à televisão em língua indonésia, conversam em dialetos, que incorporam palavras portuguesas, mas sem as novas gerações se darem conta disso. O que atrapalhava nas escolas era que o professor timorense não dominava a língua portuguesa, e como dar aula é argumentar, como fazer isso em uma língua que você não conhece? Mas o que se vê atualmente é que o português está se transformando em uma língua de elite. Quem fala português tem outro status.
AF – Você relata, também, que os professores timorenses estavam mais interessados em aprender novas técnicas de ensino e menos em conteúdo. Isso, de alguma forma, fez com que o foco inicial da cooperação mudasse?
Erivelto Teixeira – Eles viviam em um modelo de ensino tecnicista, típico de ditaduras. Isso persistiu desde a época em que estiveram sob o domínio indonésio. Era natural eles quererem mudar. Viviam um novo tempo. Estávamos lá para ajudar. E se era essa a ajuda que eles queriam, foi essa que procuramos dar.
AF – Na sua longa convivência com os timorenses e o choque cultural decorrente disso, o que você guarda até hoje, no que diz respeito à cultura, às línguas faladas naquele país, aos costumes etc.?
Erivelto Teixeira – O Timor-Leste fez parte da minha vida e eu da vida dos timorenses. Isso vai ficar para sempre no meu coração. Principalmente, a forma respeitosa como eles se tratam em família. Durante as festas, todos ficavam sentados, sem tocar em nada – mesmo com a mesa cheia de iguarias – até que o dono da casa desse as regras. Ninguém dançava, por mais que a banda estivesse tocando, até que o dono da casa desse as regras de como os casais deveriam se portar durante a dança. Isso era ao mesmo tempo estranho e fascinante. Sempre sentirei saudades do Timor-Leste.
Luiz Guilherme Melo – Agência FAPEAM