Pesquisas investigam múltiplos efeitos da aspirina
13/06/2011 – Durante a Antiguidade, do Egito à Grécia de Hipócrates, especialistas costumavam produzir infusões a partir da casca do salgueiro, para tratamento de febres e dores no corpo. Com o passar do tempo, a tradição se dissemina no planeta, a ponto de, já no século 18, o reverendo inglês Edmund Stone, da Universidade de Oxford, dedicar-se, justamente, à compreensão dos efeitos benéficos da substância.
Seus estudos culminariam com a descoberta do ácido salicílico, ingrediente ativo diretamente responsável pelas propriedades analgésicas e anti-inflamatórias daqueles famosos chás oferecidos aos enfermos.
O curioso clérigo inglês jamais poderia imaginar, contudo, a relevância de seu achado, cujo desenrolar na ciência revela-se, ainda hoje, motivo de esperança para milhões e milhões de pacientes, vítimas de diversas enfermidades, da diabetes ao câncer. Tudo isso porque, ao final do século 19, sob o comando do químico Carl Duisberg, funcionários da empresa alemã Bayer encontram um modo de sintetizar o ácido salicílico, ao conjugá-lo a um acetato.
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Nasce, então, o ácido acetilsalicílico, que, em 1899, fruto das iniciativas de Felix Hoffman, será transformado no primeiro múltiplo comprimido de que se tem notícia no mundo: a aspirina. Neste jovem século 21, dados indicam que, só nos Estados Unidos, são produzidas cerca de 80 milhões de unidades do medicamento por dia. Mais do que surpreender, os superlativos números da produção em série reafirmam – como já bem percebiam os sábios da Antiguidade – a eficácia da substância, capaz de amenizar de dores e febres a reumatismos e artrites.
Trata-se, além disso, do comprimido há muito descrito na literatura especializada, por exemplo, em função de seus efeitos hipoglicêmicos, ao diminuir os níveis de glicose no sangue. "Hoje, sabemos que a aspirina realmente possui mil e uma utilidades", resume o pesquisador Aristóbolo Mendes da Silva, professor do Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, onde também coordena o Laboratório de Genes Inflamatórios.
Pois bote utilidades nisso! Estudos desenvolvidos ou orientados pelo próprio professor Aristóbolo Mendes demonstram que a aspirina – assim como outros medicamentos do gênero, os chamados salicilatos – detém a capacidade de atuar sobre uma série de proteínas celulares, de modo a ativá-las ou desativá-las. Investigar tais mecanismos significa ter a oportunidade de compreender os porquês de diversos efeitos benéficos dos salicilatos – das ações antiinflamatórias e analgésicas às referidas propriedades anti-diabetogênicas – e, futuramente, render subsídios ao tratamento de muitas doenças.
Do diabetes ao câncer
A tentativa de compreensão das formas de ação dos fármacos salicilatos no organismo humano remonta, na verdade, às experiências do farmacêutico britânico John Robert Vane, prêmio Nobel, que, em 1971, torna-se o primeiro homem a descrever o mecanismo de ação antiinflamatória da aspirina.
Das experiências de Vane aos estudos mais recentes, a descoberta de vários mecanismos de atuação da aspirina e outros salicilatos sobre os componentes celulares revela a multiplicidade de tais fármacos. Em 2007, como fruto de trabalho conduzido paralelamente ao de seu pós-doutorado na The Cleveland Clinic Foundation, nos Estados Unidos, o professor Aristóbolo Mendes publicou estudo em que, pela primeira vez na literatura, é relevada a influência da aspirina na ativação de outra proteína celular, a PERK.
"Surge, assim, um novo alvo farmacológico. Neste caso, uma proteína associada ao metabolismo", explicou o pesquisador, ao lançar a importante indagação que então se descortina: "Será que o mecanismo de ativação da proteína, pelo medicamento salicilato, não contribuiria com a diminuição dos níveis de glicose no sangue?"
Ao buscar respostas para tal questão, Aristóbolo e os outros pesquisadores sob sua orientação, no Laboratório de Genes Inflamatórios do ICB, acabam por lançar-se ao desafio de descobrir algo que, no futuro, pode ajudar milhões de pacientes com diabetes tipo 2, cujo organismo, apesar de produzir insulina, não é capaz de metabolizar a glicose do sangue.
Nos estudos para compreensão da ação dos antiinflamatórios não-esteróides (salicilatos) sobre a PERK e de proteínas por ela reguladas – projeto que em determinadas etapas contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) -, amostras de extratos de células, que recebem o tratamento com diferentes doses de salicilatos, são separadas em gel, para, então, seguirem à análise.
"A partir daí, buscamos observar se há mudanças significativas nas proteínas. Experimentos já mostram, por exemplo, que os salicilatos melhoram a captação de glicose em células adiposas", afirma.
Além da ação sobre a PERK, também são estudados, no Laboratório, os efeitos dos salicilatos como ativadores – ou inativadores – de outras proteínas. Numa das atuais vertentes de investigação, busca-se compreender a ação dos referidos medicamentos sobre uma outra proteína.
"Neste caso, nosso objetivo é entender a atuação dos salicilatos como anti-proliferativos", explica o professor. Isso quer dizer que, além de analgésicos, anti-inflamatórios, anti-piréticos e anti-diabetôgênicos, os "poderosos" salicilatos parecem também ter a capacidade de diminuir os níveis de proliferação, por exemplo, de células cancerígenas. "Hoje, já se sabe que pacientes acostumados a tomar aspirinas têm 30% de chances a menos de desenvolver câncer colorretal. Entretanto, como qualquer medicamento, o seu uso deve ser consultado previamente com um médico", ressaltou.
As pesquisas do Laboratório em torno da múltipla capacidade de atuação dos salicilatos sobre as proteínas celulares, de modo a ativá-las ou desativá-las, prometem ainda muitas novidades para os próximos anos. Afinal, segundo Aristóbolo Mendes, diversas – e imprevisíveis – funções da aspirina e outros fármacos do gênero ainda estão por ser descritas.
Agência Fapeam
Fonte: Ascom Fapemig