Programa Nacional de Controle de Tubeculose precisa ser revisto, aponta pesquisa
O Programa Nacional de Controle de Tuberculose (PNCT), criado há quase dez anos para cumprir as metas mundiais de controle da doença no Brasil, é considerado satisfatório pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Mesmo assim, o país continua entre os 18 piores em números de casos da enfermidade.
Para descobrir as razões para essa realidade alarmante, uma pesquisa de doutorado realizada entre os anos de 2004 e 2007 detalhou e avaliou o programa federal chegando a resultados inéditos: no Brasil, a Aids é um fator impactante da morbidade por tuberculose; há interação entre Aids e renda; e a tuberculose se manifesta de forma diferente nas grandes regiões do país.
Esses dados fazem parte da tese de Maria Jacirema Ferreira Gonçalves, intitulada “Incidência de tuberculose por Município, Brasil –2001-2003: Uma abordagem sobre o Programa de Controle e fatores determinantes da doença”. A autora foi bolsista do Programa e Apoio à Formação de Recursos Humanos Pós-Graduados do Estado do Amazonas (RH-POSGRAD) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).
A pesquisa chamou atenção do Ministério da Saúde e a pesquisadora, que é doutora em Saúde Coletiva, foi chamada juntamente com outros pesquisadores para integrar um grupo de trabalho que, em julho deste ano, deverá esmiuçar os resultados para iniciar um reordenamento do PNCT.
Regiões Metropolitanas têm situação mais grave
Na primeira etapa do trabalho, Maria Jacirema fez uma avaliação geral do programa e chegou à conclusão de que as regiões metropolitanas têm situação mais grave de incidência de tuberculose, mesmo que, na teoria, haja menos pobreza e mais acesso à saúde nessas áreas. No período estudado, de 2001 a 2003, existiam 28 regiões metropolitanas reconhecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para identificar os fatores que contribuíam para essa situação, a pesquisa trabalhou com modelagem estatística na segunda etapa. Foram feitas associações da tuberculose com os seguintes fatores: renda, densidade populacional, proporção de cura, taxa de incidência de Aids e regiões brasileiras.
“Embora nos países desenvolvidos, a associação entre tuberculose e Aids esteja já bem definida, no Brasil, estudos anteriores que tratavam dessa associação, o faziam de forma muito frágil”, explica a pesquisadora.
A conclusão foi que, em regiões como Sul e Sudeste do Brasil, onde o número de casos de Aids é alto, ela é a responsável pelo maior número de casos de tuberculose. “Isso mostra ser necessário que os programas de controle da Aids e da tuberculose trabalhem em conjunto”, sugere Maria Jacirema.
No caso de Belém, onde há alta densidade populacional, renda muito baixa e cura muito baixa dos casos de tuberculose, a pesquisa chama atenção para a necessidade de melhorar o funcionamento do programa de controle de tuberculose e também evitar que mais pessoas adoeçam por Aids, prevenindo o risco de adoecimentos pelas duas doenças associadas.
Quanto ao controle da doença nos municípios de baixa renda, a doutora enfatiza que além do PNCT é necessário melhorar as condições sociais como um todo. “Há pessoas que param o tratamento porque, com fome, passam mal com o medicamento antibiótico”, exemplifica.
Programa deficiente em municípios prioritários
O PNCT não está adequado aos municípios de pequeno porte e tampouco àqueles priorizados pelo programa, sendo que os primeiros, por receberem menos recursos e, conseqüentemente, apresentarem menor capacidade operacional, precisam ter o programa reforçado.
Em números, o Brasil, possui 5.561 municípios, mas apenas 312 foram considerados de grande porte pela pesquisa porque possuem mais de 80 mil habitantes. “Ou seja, nossa realidade é de municípios pequenos o que deveria facilitar o emprego do programa, mas isso não acontece”, conclui Maria Jacirema.
Na teoria, o programa federal prevê várias etapas simples e baratas que na prática não são cumpridas, indicando que o empecilho para o sucesso das ações não se resume à dificuldade de acesso à certas regiões, como acontece na Amazônia brasileira, uma vez que a deficiência do programa se estende inclusive aos grandes centros do país.
O acompanhamento dos casos ou a execução da dose supervisionada do tratamento (DOTS), ambos previstos no programa, contribuiriam, por exemplo, para diminuir o índice de abandono que continua elevado em todo o país. Além disso, o exame de escarro, usado no diagnóstico e na avaliação da eficácia do tratamento, apesar de simples e barato para o sistema, não costuma ser priorizado e nem sempre está presente em todas as unidades de saúde.
Nas cidades menores, uma solução apontada pela pesquisadora seria o funcionamento do Programa Saúde da Família. “Mas o que se observa é uma falta de integração entre as Unidades Básicas de Saúde e o Programa Saúde da Família principalmente em municípios pequenos”, aponta a autora da tese.
Pesquisadora quer avaliar o programa no Amazonas
O Amazonas é o segundo estado brasileiro com maior número de casos. O primeiro é o Rio de Janeiro. “Isso é muito grave porque localmente temos uma situação muito diferente em relação ao Rio de Janeiro. Esse seria motivo para um novo estudo”, revela Maria Jacirema, que é professora da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
A pesquisadora pretende, num outro trabalho, avaliar a aplicação do Programa Nacional de Controle de Tuberculose no Amazonas, fazendo uma espécie de “zoom” dos dados conseguidos na pesquisa que abrangeu todo o país. “Temos municípios no Amazonas com taxas de tuberculose mais elevadas que nos países da África, por exemplo, São Gabriel da Cachoeira. Trata-se de uma situação de calamidade, por isso, precisamos saber o que está acontecendo”, justificou a doutora. O projeto foi submetido à Fapeam.
Rúbia Balbi – Decon/Fapeam