Proteínas podem revelar meio de infecção da malária
Al Capone, o famoso mafioso norte-americano, tinha razão ao tornar célebre a frase “tenha os amigos perto, e os inimigos mais perto ainda”. A máxima pode ser aplicada em muitas situações. E cai como uma luva quando o assunto é o combate a doenças. O pesquisador Edmar Vaz de Andrade, doutor em biologia molecular e membro do Laboratório de Tecnologias de DNA, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), põe em prática essa teoria. Desde 2005, realiza uma pesquisa destinada a entender as proteínas que agem no intestino do mosquito Anopheles darlingi, principal vetor da malária.
Por que o intestino? É lá onde todo o processo se inicia. O mosquito pica o hospedeiro infectado com o parasita – o plasmódio – e o mesmo deve atravessar a barreira intestinal em direção à corrente circulatória do mosquito. Entender como o parasita chega à hemolinfa (se nos mamíferos chamamos sangue, nos invertebrados o fluido que tem a mesma função chamamos de hemolinfa) é o X da questão.
A hipótese levantada pelo pesquisador é que existe uma série de proteínas que ora facilitam essa ‘contaminação’ ora dificultam, é o caso em que o plasmódio permanece dentro do órgão e, sem poder chegar às glândulas salivares (por onde o contágio acontece), a infecção não tem progresso.
“Para estudos em nível de proteoma, é importante que o laboratório já tenha iniciado os trabalhos em nível de genoma. Um completa o outro. A diferença está no nível de especificidade com a qual poderemos estar trabalhando a informação. Análises proteomicas nos dão mais precisão e certeza no trato com os dados. Por meio delas, é possível identificar quais proteínas são expressas pelo organismo”, explica Andrade.
O uso da palavra proteoma, na literatura científica, é novo. Ela significa “conjunto de proteínas expressas por um genoma” (conjunto de toda a informação hereditária de um organismo, codificada em seu DNA). Como explica Andrade, o seqüenciamento dos DNAs das espécies é um passo importante no estudo geral das funções e formas das proteínas. No entanto, ele revela pouco sobre o desempenho de suas funções, individual ou coletivamente. Muitas informações moleculares necessárias para o funcionamento da célula só estão disponíveis em nível de proteínas, nunca no genoma (DNA) ou transcriptoma (RNA).
O projeto de Andrade integra o grupo de pesquisa do Dr. Spartaco Astolfi Filho, da Ufam. Contou com financiamento de mais de R$200 mil, empregados na concessão de bolsas de estudo e auxílio à pesquisa, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo Programa de Desenvolvimento Científico Regional (DCR). O trabalho tem previsão para encerrar as atividades próximo ano e já envolveu dois estudantes de iniciação científica, um de apoio técnico e dois pesquisadores, a maioria recebendo bolsas da Fapeam.
Conhecendo as proteínas
De acordo com Andrade, a pesquisa se desenvolve em duas frentes de ação: coleta dos mosquitos e análise laboratorial. A primeira é realizada em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), na pessoa do Dr. Wanderli Pedro Tadei. Os exemplares são coletados na região periurbana de Manaus e mantidos nos laboratórios do Instituto.
“Nós temos a autorização do Comitê de Ética e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a realização das coletas e manuseio do material. O Inpa é o parceiro responsável pela realização dessa atividade”, revela o pesquisador.
Em seguida, são separados os machos e as fêmeas. Estas últimas são, então, submetidas a uma alimentação à base de glicose e depois à base de sangue humano. Os machos só com glicose.
“Ainda existe a situação onde alimentamos as fêmeas com sangue contaminado com o parasita. Mas essa é uma etapa posterior. Os parâmetros analisados nestas três condições nos permite ter um referencial sobre cada alteração”, diz Andrade.
O grupo do pesquisador espera descobrir, com segurança, se a fêmea (único gênero que se alimenta de sangue) possui um conjunto de proteínas diferente do macho e que implicaria na transmissão do plasmódio (intestino-sangue do mosquito). “Será que existem proteínas expressas em fêmeas relacionadas à infecção que não são expressadas em machos?”, questiona ele.
Ao todo, de 10 a 15 proteínas distintas já foram expressas, falta identificar a (as) que atua (e) nesse processo de infecção. Para o pesquisador, os resultados terão impacto direto nos meios de intervenção do contágio plasmódio/mosquito.
“A partir das conclusões a que chegarmos na pesquisa será possível definir novos métodos de combate à malária”, anima-se Andrade. Enquanto uma vacina contra a doença não é descoberta, e como o problema está no parasita, coibir o processo de contaminação diretamente no vetor é uma alternativa promissora, principalmente, aliada a idéia de criar mosquitos transgênicos (aqueles criados em laboratório com o objetivo de gerar proles igualmente incapacitadas de transmitir o plasmódio para a corrente sanguínea).
É certo que ações concretas nesse sentido ainda dependem de inúmeros testes e de mais anos de pesquisa. É esperar para acompanhar os desdobramentos e torcer para que os resultados tenham aplicabilidade.