Renama fecha 1ª parceria internacional para validação de método alternativo
Diante do desafio mundial de se criar alternativas para reduzir o uso de animais em testes científicos, a Rede Nacional de Métodos Alternativos (Renama) – vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) – fechou uma parceria com órgãos internacionais para adotar no Brasil o chamado método HET-CAM (Hen’s Egg Test Chorioallantoic Membrane). A informação foi concedida ao Jornal da Ciência por fontes do MCTI.
Na prática, esse método é aplicado em análises de toxicidade e utiliza a membrana do ovo de galinha para verificar o grau de irritabilidade induzida por alguma substância química em produtos industrializados – seja um medicamento, um praguicida, um agente químico industrial, entre outros.
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Pelo acordo, o Brasil participará do processo final de validação do HET-CAM na Europa, onde foi desenvolvido e encontra-se em fase final de validação. Concluída essa etapa, o HET-CAM será o primeiro método a ser validado em território brasileiro.
A parceria é com o Centro de Alternativas aos Testes em Animais (CAAT, na sigla inglesa), situado em Baltimore, nos Estados Unidos (EUA); e com o CAAT- Europa, localizado na Universidade de Kostanz, na Alemanha, segundo Isabella Fernandes Delgado, pesquisadora do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) da Fiocruz, um dos laboratórios centrais da Renama.
Coordenadora desse projeto, Delgado afirmou que o CAAT vai integrar o grupo gestor do estudo de validação, além de apoiar o estudo em sua interpretação em termos da avalição estatística dos resultados finais. Delgado informou que a proposta já está fechada e pronta para entrar em operação. A ideia é realizar a primeira reunião com o grupo gestor no início de 2015.
Segundo ela, o estudo de validação do HET-CAM deverá durar de um ano a dois anos. Os ensaios científicos serão executados por três laboratórios, entre nacionais e internacionais. “Ainda estamos definindo os laboratórios”, resumiu Delgado, sem querer citar os nomes dos laboratórios.
Regulação
Depois dessa fase, destacou Delgado, o projeto será submetido ao processo de regulação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O acordo sinaliza mais um passo do governo em direção à tentativa de reduzir o uso de animais nos experimentos científicos. No início deste semestre, o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), também vinculado ao MCTI, havia publicado um parecer reconhecendo 17 métodos alternativos ao uso de animais em pesquisa, dentre os quais o HET-CAM. O órgão estabeleceu o prazo de cinco anos para substituição obrigatória do método original pelo alternativo.
Na parceria, o MCTI investirá cerca de R$ 300 mil, recursos que serão aplicados no processo de validação e no fortalecimento da estrutura da Renama.
Conforme fontes do MCTI, a cooperação permitirá contribuir para o avanço científico e tecnológico dos laboratórios brasileiros que integram a Renama e é, particularmente, importante tanto para internalização de tecnologias como para um futuro codesenvolvimento de metodologias que busquem a efetiva redução, substituição ou mesmo refinamento no uso de animais de experimentação científica.
Características do HET-CAM
Conforme Delgado, pesquisadora do INCQS da Fiocruz, os principais fatores que contribuíram para escolha do HET-CAM são as características desse método, no que se refere ao procedimento do ensaio de avaliação toxicológica. Tais como simplicidade no processo, sensibilidade demonstrada em estudos preliminares, baixo custo, rapidez e baixa complexidade.
A pesquisadora explica que o método HET-CAM baseia-se na avaliação de alterações vasculares ocorridas na membrana cório-alantóide de ovos embrionados de galinha quando expostas a uma substância teste. “Essa substância é colocada em contato com a membrana do ovo e em seguida as lesões são observadas e graduadas segundo escala pré-determinada”, diz.
Outro fator que contribuiu para tal decisão, acrescentou a pesquisadora, é a ausência de estudos internacionais de validação para o HET-CAM, o que caracteriza, segundo disse, o ineditismo do estudo em questão.
“Deve-se também à ausência de alternativa validada para o desfecho toxicológico que se pretende alcançar. E abrangência de produtos ou ingredientes passíveis de análise, como cosméticos, agrotóxicos, medicamentos de uso tópico, entre outros”, disse.
Substituição parcial
No olhar de Delgado, o metódo HET-CAM é um dos pilares do programa 3Rs (Reduction, Refinement, Replacement), que sugere diminuir o número de animais, minimizar a dor e o desconforto, além de buscar alternativas para substituição de testes in vivo.
“Esse é um método bem sensível. É capaz de detectar substâncias positivas (irritação) em um produto. Ele tende, porém, a superestimar um pouquinho os resultados. Pode detectar resultado positivo (irritação na membrana do ovo), mas isso pode não representar no homem uma irritação de fato”.
Dessa forma, Delgado acredita que o método HET-CAM não conseguirá substituir 100% o uso de animais nos experimentos científicos. “Vamos precisar trabalhar com uma lógica de bateria de ensaios, compondo vários resultados e usar o animal apenas no final do estudo – depois de três ou quatro ensaios com a membrana do ovo.”
O HET-CAM, exemplifica Delgado, pode compor uma bateria de ensaios que venham a substituir o coelho, eventualmente, em uma avaliação de irritação ocular para verificar o potencial irritante de uma substância – hoje realizada pelo chamado Teste de Draize.
Para Delgado, o animal poderá ser usado nesses testes científicos, apenas, se o pesquisador mantiver a dúvida sobre o potencial tóxico de uma determinada substância. Ainda assim, ela acredita, na possibilidade de se chegar, em alguns casos, a uma conclusão do estudo sem precisar fazer uso do animal.
Vale destacar que a avaliação de toxicidade é necessária para avaliar eventuais danos que uma substância química pode provocar ao ser humano por diversas vias. Embora o teste animal seja mais utilizado nos estudos toxicológicos e requerido nos processos científicos, o uso de animais na pesquisa vem enfrentando resistência em razão do sofrimento pelo qual passam aos animais, principalmente nos estudos de toxicidade aguda.
Fonte: Jornal da Ciência