‘Science': A ciência da enxaqueca
A renomada revista americana Science, publicou na sexta-feira (13/02) um artigo sobre um mal que afeta 10% da população mundial. “Se você já teve enxaqueca, sabe que não é uma dor de cabeça normal: além das ondas palpitantes de dor, os sintomas costumam incluir náusea, distúrbios visuais e sensibilidade aguçada a sons, cheiros, e luz. Apesar de não existir cura para essas torturantes dores de cabeça, pesquisadores estão começando a esclarecer sua causa e encontrar tratamentos mais eficazes. No encontro anual da American Association for the Advancement of Science, a jornalista Emily Underwood conversou com Teshamae Monteith, um neurologista clínico na University of Miami Health System, na Flórida, para discutir os últimos avanços no campo.
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Perguntado sobre como está evoluindo o entendimento sobre a enxaqueca, Monteith explica que não é uma questão simples: “É mais complicado do que pensávamos. No passado, pesquisadores achavam que a enxaqueca era um distúrbio dos vasos sanguíneos, em parte porque alguns pacientes podem sentir uma pulsação durante um ataque de enxaqueca. Agora, a enxaqueca é considerada um distúrbio sensorial perceptivo, porque muitos dos sintomas sensoriais — luz, som, cheiro, audição — são alterados. Durante um ataque, os pacientes têm insuficiência de concentração, mudança de apetite, de humor, e perda de sono. Cerca de dois terços dos pacientes com ataques agudos de enxaqueca têm alodinia, uma doença que torna as pessoas tão sensíveis a certos estímulos que até mesmo o vapor de um chuveiro pode ser incrivelmente doloroso.
Sobre qual seria o tratamento mais inovador hoje em dia, Monteith afirma que “a base do tratamento agudo para enxaquecas são um tipo de drogas chamadas triptanos, que agem nos receptores de serotonina. A serotonina é tida como o neurotransmissor subjacente envolvido na enxaqueca baseado em um nível de serotonina mais baixo do que o normal (5-HT) que aumenta durante os ataques. Há também uma forte relação entre a depressão (que está ligada a níveis anormais de serotonina) e enxaquecas: pessoas com depressão têm mais tendência a sofrer de enxaquecas e pessoas com enxaquecas têm mais tendência a serem deprimidas. Não está totalmente claro como os triptanos funcionam, mas são capazes de anular ataques em alguns pacientes. São ótimas drogas, mas nem todas as pessoas respondem a elas. O campo agora está bem aberto para novos medicamentos-alvo, especialmente aqueles que não apertem os vasos sanguíneos, como os triptanos”.
E quanto aos tratamentos mais promissores, o neurologista fala em um medicamento. “Uma nova droga mira em uma substância chamada CGRP— peptídeo relacionado ao gene da calcitonina — visto como um dos peptídeos que é liberado durante um ataque agudo de enxaqueca. Um estudo preventivo multicêntrico, aleatório, em dupla ocultação controlado com placebo (no qual doses diferentes da droga que visa o CGRP, foram dadas a pessoas com enxaqueca) mostrou algumas anormalidades em enzimas do fígado em um pequeno subgrupo de pacientes. Logo, fracassou em passar nos requisitos de segurança embora os dados tenham sugerido um papel potencial. Mas agora há uma versão de anticorpo que completou a segunda fase de estudos e é considerada a novidade mais quente no campo. Foi um pequeno desafio determinar de fato a eficácia, mas ainda é empolgante porque é ele que sugere que uma droga que mira o CGRP pode ser segura”.
Monteith fala sobre até que ponto a enxaqueca pode ser hereditária: “A genética precisa trabalhar porque a enxaqueca é muito complicada. Mas para a maioria dos pacientes podemos ligá-la a um histórico familiar. Como médico residente em 2008, eu aprendi sobre três genes associados à enxaqueca hemiplégica, uma doença em que as pessoas se enfraquecem em apenas um lado. Agora, um número de outros genes adicionais foi associado à enxaqueca. Alguns desses são ligados ao glutamato, um neurotransmissor associado ao funcionamento excitatório. Muitos sistemas do cérebro utilizam o glutamato — um grande neurotransmissor excitatório — então bloqueá-lo pode implicar em alguns desafios.
Monteith afirma que a enxaqueca costuma se manifestar na adolescência ou na pré-adolescência. “As mulheres têm mais tendência a sofrer de enxaquecas por volta do ciclo menstrual e as dores de cabeça parecem ocorrer em resposta a algumas mudanças hormonais nos homens também. Níveis sócio-econômicos baixos assim como obesidade, e sono precário também aumentam a frequência de ataques. Lesões no tecido do cérebro são complicações da enxaqueca, e fatores como fumo e anticoncepcionais tomados por via oral podem aumentar o risco”.
E quais seriam os desafios para estudar a enxaqueca no cérebro? “Agora mesmo ainda temos modelos de animais que não reproduzem exatamente as complexidades do cérebro humano ou um ataque de enxaqueca”, diz Monteith. “A tomografia do cérebro humano tem um potencial muito maior e aplicações animadoras na enxaqueca. Com a tomografia do cérebro, podemos entender melhor as estruturas, conexões, e os agentes químicos envolvidos na enxaqueca. Além disso, estudos de necropsia dos cérebros de pessoas que sofriam de enxaqueca podem ser úteis para melhor entender a etiologia de lesões na substância branca comumente associadas à enxaqueca, que atualmente tem etiologia desconhecida. No entanto, pode ser difícil interpretar esses estudos porque as causas da morte — derrame, câncer, etc.— podem alterar o cérebro”, conclui.
Fonte: Jornal do Brasil