Terra preta de índio servirá de modelo para estudo com solos pobres da Amazônia


Comunidades residentes na Costa do Laranjal, no município de Manacapuru, e no Ramal da Serra Baixa na Costa do Açutuba, Município de Iranduba, a, respectivamente, 68 e 30 Km de Manaus, poderão expandir suas técnicas de manejo da fertilidade de alguns solos da região, entre eles, a terra preta de índio, utilizados para o cultivo de espécies perenes tais como: laranja, mamão, cupuaçu, côco, entre outras. É o que propõe o pesquisador Newton Falcão da Coordenação de Pesquisas em Ciências Agronômicas (CPCA) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) a partir das pesquisas desenvolvidas no projeto "Pedologia, Fertilidade e Biologia de Solos Antropogênicos da Amazônia Central". O estudo tem recebido apoio logístico e financeiro do Inpa e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).

"O objetivo geral do projeto é realizar uma investigação científica sobre as propriedades químicas, físicas e biológicas dos solos de terra preta de origem antropogênica (ou seja, que teve intervenção do homem) e suas interações, e avaliar como essas propriedades e características influenciam, estimulam o crescimento e elevam a produtividade das plantas cultivadas nesses ambientes. Espera-se sobretudo oferecer uma tecnologia alternativa de uso, manejo e conservação da fertilidade desses solos antropogênicos, aumentando a produção das plantas cultivadas nesses solos, como também adquirir um melhor entendimento da sua "construção" pelos povos indígenas da Amazônia ao longo de centenas de anos" explica Falcão, que é o coordenador da pesquisa.

A terra preta é um solo que apresenta elevada fertilidade, propício ao cultivo de espécies tanto de ciclo curtos (verduras e legumes), como também de ciclo mais perenes (laranja, cupuaçu, côco, mamão, maracujá, etc.). Ela pode ser encontrada desde a cordilheira do Andes até a ilha de Marajó e foi utilizada pelas populações tradicionais há centenas de anos, com perda mínima de sua fertilidade. Existem faixas de terra no Pará que abrangem até 200 ha. No Estado do Amazonas, pode-se encontrar "manchas" desse legado histórico em diversos municípios. Porém, pouco se conhece sobre sua origem, propriedades, manejo e seus possíveis benefícios econômicos, sociais e ecológicos.

Para atender toda essa demanda de informações, o projeto prima pela interdisciplinaridade, envolvendo mais de dez pesquisadores com atuação em diversas linhas de pesquisa, 13 bolsistas, dez colaboradores de instituições nacionais e internacionais e seis pessoas para o apoio técnico "Possuímos algumas áreas de estudos que permeiam as seguintes linhas de pesquisas: pedologia, fertilidade do solo e nutrição de plantas, agrobiodiversidade, biologia do solo, sistemas agroflorestais, fitotecnia, microbiologia, entre outras", afirma Falcão. Além do Inpa, o projeto conta com a colaboração de pesquisadores da Universidade de São Paulo, da Embrapa, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Universidade da Flórida e Universidade de Cornell (Estados Unidos).

O projeto de pesquisa institucional sobre as terras pretas de índio iniciou-se em 2002, com a caracterização de algumas propriedades físicas, químicas e biológicas de algumas áreas de terra preta dos municípios de Manacapuru, Rio Preto da Eva, Presidente Figueiredo e Iranduba. Além das manchas de terra preta, estão sendo estudados, também, os seguintes solos adjacentes: terra mulata e os Latossolos ou Argissolos. A terra mulata é um tipo de solo que se apresenta em um nível intermediário quanto ao grau de fertilidade. O Latossolo, popularmente chamado pelos agricultores de terra vermelha, é um dos solos mais pobres e bastante encontrado na região.

Resultados preliminares têm revelado que a introdução de algumas práticas simples de manejo da fertilidade das terras pretas podem resultar em aumento da produtividade de algumas espécies frutíferas como a Laranja Pêra Rio e o mamão, com menor custo de produção e maior renda líquida.

"Procuramos desenvolver um novo modelo de uso, manejo e conservação das terras pretas, que são um benefício nosso", ratifica Falcão. Esse apelo tem referência à própria utilização inadequada desse tipo de solo. O fato é que as comunidades não têm o embasamento científico mínimo que tenta explicar, a partir das propriedades e características físicas, químicas e biológicas desses solos, o motivo pelo qual ele é tão fértil. Desse modo, a única indicação que elas têm como base é a prova concreta de que plantando em determinada área você tem maior rendimento na produção, comparando-se a outras localidades. No entanto, como todo recurso não-renovável, chega um momento em que, passados anos de utilização intensa das terras pretas, elas acabam perdendo sua fertilidade natural, dando início a um processo de degradação.

"Quando isso acontece, os agricultores acabam comprando fertilizantes químicos simples ou formulações prontas que muitas vezes chegam a saturar os solos, provocando um desequilíbrio nutricional, que afeta diretamente o crescimento, floração e frutificação das plantas", aponta o pesquisador. Essa falta de conhecimento sobre o manejo da fertilidade desses solos acaba tendo influência até mesmo na economia das comunidades, que investem dinheiro na compra de fertilizantes caros, muitas vezes desnecessários.

Esse e outros pontos foram discutidos no início do mês com as comunidades da Costa do Laranjal, em Manacapuru. O município foi o primeiro a receber a visita da equipe do projeto, que serviu para apresentar os resultados parciais da pesquisa, trocar experiências com os comunitários e repassar algumas soluções fáceis, eficazes e baratas que poderão solucionar alguns problemas relativos à prática do cultivo e ao manejo dos solos, enfrentados pelos agricultores. O próximo seminário acontecerá em Presidente Figueiredo, no próximo ano.

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