Um alerta à memória dos nativos digitais


Excesso de uso de apetrechos digitais, pode compromete memória de jovens (Foto: Reprodução)

Excesso de uso de apetrechos digitais, pode compromete memória de jovens (Foto: Reprodução)

01/08/2013 – Jovens que aprenderam a ler no navegador da internet e a escrever enviando e-mails são o que os especialistas chamam de nativos digitais. Dessa novíssima geração, pouco se sabe sobre como o cérebro dos que jogam AngryBirds no tablet, passam mensagem pelo Whatsapp e assistem aos esquetes do Porta dos Fundos no notebook. O neurocientista alemão Manfred Spitzer, diretor médico do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Ulm, na Alemanha, dá a sentença: nativos digitais que passam a maior parte do dia ‘plugados’ são candidatos a desenvolver, desde já, problemas de atenção, memória e concentração, mal que ele batizou como ‘demência digital’.

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Spitzer diz que médicos sul-coreanos já usam o termo para definir estes sintomas há seis anos. Mês passado, jornais britânicos replicaram uma notícia vinda da Coreia do Sul de que aumentou o número de diagnósticos de jovens com a tal demência. O país é conhecido por ser o mais conectado do mundo, onde 67% da população tem smartphones e, desses, um em cada cinco fica mais de sete horas conectado. No Brasil, 36% dos donos de celular têm smartphones, segundo pesquisa da Nielsen de junho.

Pesquisadores da Universidade Nacional de Cingapura estudaram nativos digitais chineses de Pequim, Guanzou e Jining e concluíram que essas crianças têm mais dificuldades com leitura que a média. A explicação é que os chinezinhos digitais aprendem a escrever as primeiras palavras usando teclado, onde as palavras se constroem por meio de fonemas, como no alfabeto latino, e não pela associação direta entre grafia e significado, como no mandarim. Essa confusão atrapalha o desenvolvimento intelectual das crianças, conclui o estudo.

“Não há nada que os nativos digitais possam fazer melhor que pessoas mais velhas”, afirma Spitzer, que foi professor visitante em Harvard por dois anos. O estudo (de Cingapura) mostra que os dispositivos digitais também podem apresentar efeitos colaterais.

A milhares de quilômetros de Ulm, em Los Angeles, o neurocientista Gary Small, professor de psiquiatria da Universidade da Califórnia, concorda que a cultura digital tem seus efeitos, mas é contra o termo ‘demência digital’. Em artigo publicado este ano na revista ‘Internacional Psychogeriatric’, Small conclui que as queixas de memória pioram com a idade, mas estão mais relacionadas a hábitos não saudáveis, como alimentação, atividade física e cigarro, do que ao próprio envelhecimento, o que tem levado mais jovens a se queixarem de esquecimento.

“Sabemos que o cérebro é sensível a estímulos e, se um estímulo mental em particular é extenso, os circuitos neurais que controlam a experiência vão se fortalecer e se tornar mais eficientes”, explicou Small depois de perguntado sobre os efeitos da internet em excesso. — Nativos digitais melhoram suas habilidades com tecnologia, mas pioram na conversa presencial, como manter um contato visual e reconhecer expressões não verbais.

A empresária Sonia Nesi, 66 anos, é do tempo em que se decorava telefone de cabeça e se fazia conta no lápis. As dúvidas cotidianas duravam muito mais que dois minutos, pois não existia Google. Ela é avó de Isadora, de 18 anos, Giovana, de 19 — que aprenderam a ler quando já existia e-mail e sala de bate-papo na internet — e Enzo, de 10 anos, que aprendeu as letras quando o mundo conhecia o primeiro modelo de tablet. Quando têm qualquer dúvida, os três usam o buscador do celular. São comunicativos, espertos, e se queixam dos colegas que mergulham no ‘touchscreen’ no intervalo dos estudos. Sonia conta o que observa:

“As mães que vão ao meu salão levam os filhos pequenos que, antes de aprender a falar, já mexem nos tablets. Minha filha controla bastante o uso da internet pelos meus netos, senão vira um vício. Aderi às máquinas também para ter mais assunto com eles. Hoje, o computador me dá chance de não precisar memorizar muita coisa, mas sei de cor os números das cores das tintas de cabelo”, disse.

Nosso cérebro e o de nossos ancestrais de cinco mil anos atrás, quando nossa espécie inventou a escrita, são rigorosamente iguais. Mas a capacidade de moldar os circuitos neurais de acordo com a necessidade é o que se chama de neuroplasticidade. O chefe do Laboratório de Neuroplasticidade do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, Roberto Lent, diz desconhecer o termo criado pelo colega alemão, e explica que toda atividade mental, seja usar internet ou tocar instrumentos, tem seus impactos:

“Nosso cérebro é finito. Vejo o uso de dispositivos móveis como benéfico, mas, como tudo em excesso, faz mal, a neuroplasticidade pode ocorrer tanto para o bem quanto para o mal. Músicos que praticam à exaustão podem desenvolver distonia focal, doença que paralisa o músculo usado para tocar o instrumento e tem origem exclusivamente cerebral”, afirmou.

Sintomas

Em jovens, redução da memória, falta de atenção, diminuição de concentração, sonolência e depressão por causa do excesso de tempo conectado estão entre os sintomas da recém-descrita ‘demência digital’.

Olho no olho

De acordo com Gary Small, da Universidade da Califórnia, nativos digitais tendem a ter dificuldade em manter contato visual em conversas.

Fonte: Duilo Victor/O Globo

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