Um país que não aconteceu
A música popular brasileira, consolidada em meados da década de 1960 sob o rótulo de MPB, não constituiu apenas um gênero musical, foi representativa de um projeto nacional, ou melhor, de projetos nacionais em embate. Expressiva da cultura política nacional-popular que se estabelecera no país desde fins da década de 1950, a canção MPB entra em declínio a partir da década de 1970, quando as utopias da esquerda são dissipadas pelo recrudescimento da ditadura civil militar que comandava o país. Esse declínio é desvelado pela pesquisadora Daniela Vieira dos Santos, em sua tese de doutoramento defendida recentemente no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, sob a orientação do professor Marcelo Ridenti.
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A partir da análise de 32 canções de Chico Buarque de Holanda e Caetano Veloso, a pesquisadora identifica os projetos de nação que estavam em pauta no período e como as canções responderam às mudanças históricas vividas pelo país entre o golpe de 1964 e a inserção no mundo globalizado dos anos 1990.
Em seu trabalho, Daniela procurou investigar como a canção perde lugar nas décadas que se seguiram ao golpe. “A MPB surge dentro de um projeto progressista de esquerda de mudança radical da sociedade. Só que não deu certo, a revolução não veio”, problematiza. A socióloga procura as respostas no cancioneiro de Chico Buarque e Caetano Veloso, que além do destaque na cena musical, se consagraram como intérpretes do país. De acordo com a pesquisadora, a tese busca “pela matéria cantada, perceber as transformações sociais” pelas quais passava o Brasil. Ademais, de acordo com a autora, a perspectiva do estudo, portanto, segundo ela, não é esmiuçar a trajetória artística dos compositores, mas pensar a canção como uma forma de compreensão do processo sócio-histórico. “Escolhi canções relevantes para compreender momentos da realidade brasileira”, atesta.
O Brasil vivera na década de 1960 uma efervescência cultural que deu frutos nas mais diversas manifestações artísticas. A perspectiva de construção de um país mais justo e progressista era dominante e a esquerda relativamente hegemônica, ao menos no campo cultural. A crença na revolução eminente tomava conta da classe média intelectualizada e era dançada, cantada e interpretada dentro e fora dos palcos. Os artistas, como Chico Buarque e Caetano Veloso, a um só tempo refletiam e contribuíam na construção de uma estrutura de sentimento nacional-popular que permeava a sociedade naquele momento. Essa estrutura não contava com uma elaboração teórica rígida, mas sustentava um projeto de nação, ou uma série de projetos, que circulavam entre os campos da cultura e política pautando o debate da época.
De acordo com Daniela, esse projeto de nação pode ser identificado no primeiro compacto simples gravado por Caetano em 1965, que traz as canções Cavaleiro e Samba em Paz. A autora identifica tanto na estrutura musical como na letra das canções uma ligação estreita com as propostas do Partido Comunista Brasileiro (PC) e seu braço artístico o CPC (Centro de Cultura Popular da UNE). “O samba vai crescer/ Quando o povo perceber/ Que é dono da jogada”, diz a letra de Samba em Paz. Esse compacto “apresenta uma concepção de mundo baseada na experiência romântico-revolucionária da esquerda brasileira, a qual era representada por estudantes, artistas e setores da classe média intelectualizada”, pontua a autora da tese.
Por outro lado, Daniela identifica na primeira canção gravada por Chico Buarque, no mesmo período, um alinhamento com a esquerda católica. “Marcha para um dia de sol é uma musica ingênua que, em certa medida, propõe uma conciliação entre ricos e pobres”, observa.
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Fonte: Jornal da Unicamp