Vírus da raiva tem variante sequenciada pela USP
16/09/2010 – Há mais de uma década o Brasil tem conseguido controlar a raiva urbana, que é transmitida principalmente pelo contato com cães. Mas, apesar de controlada, variantes do vírus continuam circulando por meio de animais silvestres, particularmente uma transmitida por morcegos hematófagos, que se alimentam de sangue.
Atentos a esta realidade, pesquisadores brasileiros deram um passo importante no estudo do problema ao concluir o sequenciamento completo do genoma dessa variante mantida pela espécie Desmodus rotundus.
De acordo com a pesquisadora científica do Instituto Pasteur e Coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Raiva do Laboratório de Virologia Clínica e Molecular do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), Silvana Regina Favoretto, que orientou o estudo, o sequenciamento abre caminho para novos trabalhos científicos.
“O sequenciamento possibilitará identificar uma série de informações novas em estudos evolutivos e marcadores geográficos e moleculares. Também poderá ajudar a compreender por que outros hospedeiros – como humanos, animais silvestres e até morcegos com hábitos diferentes dos hematófagos – são tão vulneráveis a essa variante”, disse.
Pesquisa
Silvana desenvolveu a pesquisa intitulada “Estudo genético do vírus da raiva mantida por populações de morcegos hematófagos Desmodus rotundus por meio do sequenciamento completo do genoma viral”, apoiado pela FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular.
A pesquisa compreende também a tese homônima de Angélica Cristine de Almeida Campos, cujo trabalho, sob orientação de Silvana, é realizado no ICB-USP e vinculado ao Programa de Pós-Graduação Interunidades em Biotecnologia, que reúne alunos da USP, do Instituto Butantan e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
Segundo Silvana, que também é professora credenciada do programa, das quase 1,2 mil espécies de morcegos, somente três – Desmodus rotundus, Diphylla eucaudata e Diaemus yungii – são hematófagos.
“Os morcegos Desmodus rotundus são os mais bem adaptados à invasão do homem ao seu habitat. A variante do vírus da raiva mantida por esse morcego é a mais importante do ponto de vista econômico e de saúde pública, ao atingir animais de criação (rebanhos) e também humanos”, explicou.
Essa variante pertence ao gênero Lyssavirus e é encontrada em uma região que compreende o meio norte do México até o norte da Argentina – com exceção da Cordilheira dos Andes.
Os estudos genéticos são uma excelente alternativa para compreender por que outros hospedeiros são tão vulneráveis a essa variante genética distinta do vírus e por que, até hoje, não foi observada uma variante diferente em Desmodus rotundus.
“Há pouco mais de 15 anos só conseguíamos saber se alguém tinha raiva ou não. Todas as variantes do vírus já circulavam entre nós, mas, como não sabíamos o tipo, atribuíamos normalmente à variante mantida por populações de cães”, disse Silvana.
O sequenciamento poderá ajudar a identificar como o vírus evolui e se mantém circulante com tanto sucesso. “Outras regiões genéticas são observadas, mutações podem ser encontradas e, talvez, possam explicar o que essa variante viral tem de diferente quando comparada a outras, como as mantidas por canídeos, por primatas não humanos, como saguis, ou ainda por outros morcegos não hematófagos”, disse.
A sequência completa da variante do vírus da raiva será depositada em breve no banco do National Center for Biotechnology Information (NCBI).
Papel ecológico
Segundo Silvana, não se pode encarar o morcego hematófago como vilão ou responsável pela raiva, porque esse animal também sofre com a doença. “O problema é que invadimos o habitat dele e causamos desequilíbrios ecológicos”, disse, destacando que eliminá-los por completo não é uma saída prudente.
No Brasil, assim como em outros países onde ocorre a raiva transmitida por esses morcegos, o Ministério da Agricultura padronizou e regulamentou o uso de uma pasta vampiricida de efeito anticoagulante que provoca a morte de morcegos hematófagos, com a finalidade de controlar em número as populações. “Mas esses morcegos, assim como outras espécies, têm um papel ecológico importante”, afirmou Angélica.
Manter os animais domésticos vacinados é muito importante, segundo Silvana. Pessoas que são atacadas por animais, silvestres ou não, devem procurar o serviço de saúde para serem orientados quanto à necessidade de vacinação. “Isso é uma falha muito grande na educação em saúde. Muita gente poderia não ter morrido se fizesse isso”, disse ao destacar o dia 28 de setembro Dia Mundial da Raiva.
Alex Sander Alcântara – Agência FAPESP