Multidisciplinaridade para compreender a terra preta de índio
Com o objetivo de reunir profissionais das várias áreas do conhecimento para discutir os resultados de estudos em andamento e possibilitar a integração dos grupos de pesquisa, a Embrapa Amazônia Ocidental, com sede em Manaus, realizou, ontem e hoje, o Seminário Terra Preta de Índio – As Terras Pretas de Índio da Amazônia Central: Estado da Arte e Pesquisas de sua gênese.
Segundo um dos organizadores do evento, Wenceslau Teixeira, a iniciativa tem a intenção de reunir os pesquisadores que têm como campo o Estado do Amazonas a fim de socializar idéias e novos conhecimentos. “Considero a quantidade de pesquisadores muito boa. Recebemos mais de 60 pessoas entre pesquisadores de instituições nacionais e internacionais, como membros da Universidade do Kansas (EUA), Beirute (Alemanha) e Wageningen (Holanda)”, observou.
A cientista social Lílian Rebellato, mestre em Arqueologia pela Universidade de São Paulo (USP), destacou a importância do evento quanto ao caráter multidisciplinar. “Sem a socialização dos conhecimentos e se permanecermos isolados cada um na sua área, não vamos chegar a lugar algum. Um tema como a terra preta de índios é importante para o geógrafo que vai estudar sobre a região onde essas populações viviam, para uma cientista social que busca compreender como as populações indígenas se organizavam”, completou.
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A Universidade Federal do Amazonas (Ufam), o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o Museu de Arqueologia de São Paulo (MAE), o Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), também de São Paulo, e a Universidade de Kansas, dos Estados Unidos, são os parceiros que tornaram evento possível.
A pesquisa de Lílian Rebellato, que realizou seus estudos no sítio Ratara, município de Iranduba (a 23 quilômetros de Manaus), afirmou que seu trabalho tenta compreender as mudanças sociais que influenciaram no padrão de vida dos moradores da aldeia. “Esta pesquisa junta peças para tentar detalhar cronologicamente a pré-história dos povos amazônicos. Identificamos que os habitantes da área estudada correspondem à fase paredão”, salientou.
Os arqueólogos definem as fases da cerâmica na Amazônia Central a partir das formas e das cores dos artefatos encontrados. Açutuba (ano 300 a.C a 360 d.C ), Manacapuru (ano 500 d.C a 360 d.C ), Paredão (ano 700 d.C a 1.200 d.C ) e Guarita (ano 1.900 d.C a 1600 d.C ) são as fases da cerâmica da Amazônia Central.
No primeiro de dia de evento, mestrandos e mestres apresentaram suas pesquisas para arqueólogos, físicos, cientistas sociais e agrônomos, no auditório Caiaué, da Embrapa, localizado no KM 25 da rodovia AM-010, que liga Manaus a Itacoatiara. Hoje, os organizadores propuseram aos participantes uma excursão aos experimentos com terra preta e visita aos laboratórios da Embrapa Amazônia Ocidental.
O que é terra preta?
“A terra preta é um concentrador e conservador de resíduos orgânicos e, por conseqüência, um indicador de artefatos arqueológicos como cerâmica, fósseis e carapaça de quelônios. Este tipo de solo torna-se por esta, dentre outras razões, rico para o desenvolvimento de atividades agrícolas”, destacou o especialista em solos, agrônomo Hedinaldo Lima.
O pesquisador da Embrapa e agrônomo Gilvan Coimbra comentou sobre os materiais orgânicos indicadores da existência de terra preta com fósforo e cálcio. “A necessidade de definir limites sobre o teor de concentrador desses materiais para podermos afirmar se estamos ou não falando de terra preta”, explicou.
Em seu estudo, realizado em Santa Rita da Valéria, município de Parintins, Gilvan Coimbra, que recebe fomento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), identificou locais em que a baixa concentração desses materiais torna arriscado caracterizar certos tipos de solo como terra preta de índio.
O aluno de mestrado em botânica do Inpa, André Junqueira, que estuda a mata de “capoeira”, espécie de vegetação secundária que surgiu após alguma atividade de exploração, relatou durante o evento que algumas espécies vegetais são indicadoras da presença de terra preta. “Caiué, Tucumã e outras palmeiras apontam a existência deste tipo de solo. As matas de capoeiras mais antigas, que surgiram em torno 30 anos, podem ser vistas na área do Madeira”, explicou.