Cultura indígena é tema de aula entre estudantes do Inpa


Socializar o conhecimento sobre a cultura indígena da Amazônia a estudantes vinculados ao Programa de Capacitação de Ensino Escolar (PCE) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) por meio de aulas em comunidades tradicionais do interior do Estado. Essa é apenas algumas das atividades promovidas pelo programa, que na última sexta-feira (29) possibilitou aos estudantes uma experiência inédita: a visita a Comunidade Indígena Beija-Flor I do Rio Preto da Eva, distante de Manaus 80 km, onde vivem 54 índios. Ligado à Divisão de Apoio à Capacitação e Intercâmbio (DACI) do Instituto, o PCE visa tirar os estudantes das aulas tradicionais na promoção de um aprendizado diferenciado.

Durante a visita, o grupo formado por 57 estudantes tiveram a oportunidade de conhecer a cultura e os costumes de nove etnias (sateré mawé, dessana, baré, baniwa, arara, tukano, mayoruna, tuyuka, marubo), as quais estão dividas pelas comunidades Beija-flor II e II totalizando aproximadamente 240 índios. Na ocasião, os moradores da Beija-flor I fizeram apresentações de danças e cânticos tradicionais indígenas, além de terem conversado com os alunos sobre o modo de produção dos artesanatos confeccionados na aldeia, agricultura de subsistência, caça, pesca, comidas típicas etc.        

O Tuxaua Fausto Moriá, que recepcionou o grupo, disse que a comunidade foi criada em 1991 pelo americano Richard Melnik. A idéia era montar algo parecido com uma cooperativa, na qual os índios vindos do interior do Estado produziriam artesanato para ser comercializado fora do país. Com a morte de Melnik, os índios fixaram residência no local por acreditarem que a produção do artesanato seria promissor. Ele falou que antes quando moravam nas aldeias, o transporte e a venda do artesanato era muito difícil.

De acordo com Moriá, morando em Rio Preto da Eva fica mais fácil chegar em Manaus e escoar o que é confeccionado para a Alemanha, Inglaterra e os Estados Unidos.

“Trimestralmente, são feitos entre 40 a 50 peças: colares, pulseiras, brincos, arcos e flechas etc, que possibilitam um faturamento de R$ 3 a 4 mil. Cada família recebe uma ajuda conforme a contribuição na produção das peças, a qual é utilizada nos gastos domésticos. Contudo, o que é arrecado não é suficiente para garantir uma vida digna. Falta o apoio dos órgãos competentes, principalmente da Fundação Nacional do Índio (Funai), pois não desempenham seu papel. As comunidades estão abandonadas há muito tempo”, alertou e acrescentou: “o apoio que recebemos são das missões evangélicas”, disse.

Em relação à língua utilizada na aldeia, Moriá explicou que cada etnia fala seu próprio idioma, mas quando se comunicam entre si é utilizado o nhangatu. “Os mais novos falam o português, mas os pais ensinam o idioma materno para os filhos, bem como têm como responsabilidade passar as tradições. As crianças acompanham os pais nas atividades da aldeia, como, agricultura, confecção do artesanato, pescaria etc. Além disso, anualmente, são realizados rituais dentro da comunidade para firmação tribal. O objetivo é mostrar para as pessoas que nós somos índios e ainda conservamos nossa identidade cultural”, afirmou.  

 

Turismo e Educação Básica – Uma das alternativas utilizada pelos moradores do Beija-flor I para ajudar na manutenção da aldeia tem sido a recepção de turistas nos finais de semana. Segundo Moriá, eles recebem estudantes de fora do país, vindos de intercâmbio, e da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) para realização de trabalhos acadêmicos. Durante as visitas, os estudantes compram todo o artesanato que é produzido. Contudo, ele explicou que é preciso que os índios se organizem para receber melhor os visitantes.

 Atualmente, há um projeto de trilhas dentro da comunidade que está sendo aperfeiçoamento e brevemente será implementado para que as pessoas possam percorrê-las e ter um conhecimento maior sobre o que a floresta pode oferecer, ou seja, suas plantas medicinais. Outra idéia é a implementação de um restaurante indígena, para que possa ser servido aos visitantes pratos típicos.

 Em relação à educação, Moriá ressaltou que as crianças da aldeia freqüentam as escolas do município, mas, segundo ele, não é o correto. O ideal seria que na comunidade fosse construída uma escola diferenciada, onde os índios fossem treinados para atuarem como professores e que os mesmos ensinassem os costumes e as tradições indígenas.

 

Teoria x prática – A chefe da DACI/INPA, Valcicléia Sarquis, enfatizou que a visita à comunidade indígena visa mostrar na prática uma realidade cultural que é comum em nossa região. “Muitos dos nossos costumes: folclore, alimentação, etc, são baseados em tradições indígenas. Esse tipo de atividade motiva os estudantes a estudarem mais”, ressaltou.

 Sarquis lamentou que muitos estudantes, por exemplo, com 50 e 60 anos, nunca tiveram a oportunidade de conhecer um museu, uma biblioteca pública ou um centro histórico. Ela falou que não adianta apenas estudar o assunto nos livros, é preciso confrontar as informações obtidas com as realidades sócio-econômica e cultural. “Essas pessoas passam, às vezes, semanas nas reservas florestais, no meio do mato, e nem sempre têm acesso a esses lugares. Para entender a Amazônia você tem que viver a Amazônia. Só conhece a região quem vive e experimenta e é isso que estamos fazendo”, afirmou e acrescentou que, ao final da atividade será feita uma exposição com as fotos, os vídeos, além dos trabalhos escritos e a prova que será aplicada.

 Para João de Souza Pena, 65 anos, a ida a comunidade indígena abriu um novo horizonte, o qual não conhecia antes. “Foi uma experiência única, pois essa é a primeira vez que pude ver de perto como eles vivem”, comemorou. Servidor do INPA há 30 anos, ele falou que nunca teve a chance que está tendo agora: concluir seus estudos. “Na minha juventude ou trabalhava ou passava fome”, lamentou. Hoje, ele está cursando a 3ª série e o seu objetivo é concluir o ensino médio antes de aposentar-se.

Já a coordenadora pedagógica do PCE, Ivonete Moraiz, explicou que anualmente é feito um planejamento, o qual consta visitas aos centros históricos de Manaus, reservas experimentais, comunidades indígenas e etc, como complemento das atividades.  Além disso, todas as informações são trabalhadas nas disciplinas curriculares exigidas pelos órgãos competentes. “Eles estão aprendendo em grupo de forma interdisciplinar, onde cada estudante tem a oportunidade de socializar o conhecimento adquirido depois de cada visita técnica por meio de exposições culturais”, informou.  

Em relação à visita a comunidade indígena Beija-flor, Moraiz disse que pela comunidade englobar as nove etnias com suas diversidades: línguas, trabalhos agrícolas e artesanais, possibilitam ao estudante que ele veja in loco a realidade das tradições cultuadas pelos mesmos.

“O conhecimento adquirido jamais será esquecido por todos os estudantes e professores do PCE que ali puderam estar compartilhando do saber, do alimento, do sorriso, da harmonia e da paz que eles nos passaram durante o encontro. Portanto, concluir a educação básica sem conhecer a cultura do nosso povo indígena não teria valido a pena implementar o PCE”, finalizou Moraiz.   

 
 Ascom – Inpa

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