Estudo avalia conhecimento popular sobre botos


O conhecimento popular sobre o boto vermelho (Inia geoffrensis) pode contribuir para ampliar a literatura científica referente à espécie. Essa é a conclusão do estudo “Conhecimento local sobre o boto vermelho, Inia geoffrensis (de Blainville, 1817), no Baixo Rio Negro e um estudo de caso de suas interações com humanos”, de autoria da pesquisadora Carla Patrícia Barezani, desenvolvido como pré-requisito para a obtenção do título de mestre pelo programa de Pós-graduação em Biologia Tropical e Recursos Naturais.

O programa é resultado de convênio entre o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e conta com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam). O objetivo da pesquisa foi estudar o conhecimento e percepções populares sobre o boto e as interações desses animais com os humanos.

 
A fase inicial da dissertação foi desenvolvida a partir da coleta de dados junto a moradores de comunidades do Baixo Rio Negro. Durante esse período, foram realizados dois tipos de entrevistas. A primeira visando obter um panorama geral do conhecimento populacional sobre a biologia e ecologia da espécie a fim de subsidiar comparações com o conhecimento científico.

A segunda rodada de entrevistas foi voltada à coleta de informações sobre os consensos culturais envolvendo os botos e suas variações. De acordo com a pesquisadora, os resultados obtidos demonstraram alto nível de saber das pessoas em relação ao habitat dos botos vermelhos, coincidindo em grande parte com as informações existentes na literatura científica.

Carla Barezani cita as informações coletadas sobre o sistema respiratório, a quantidade de filhotes por gestação e o tipo de alimentos ingeridos pelos botos como saberes compatíveis com o descrito pelo conhecimento científico. Por outro lado, ela destaca que o conhecimento popular sugere preferência de habitat no período de reprodução dos animais, assunto ainda não descrito pela literatura sobre a espécie.

“Isso significa que esse tipo de conhecimento (popular) pode ser uma importante ferramenta para estudos biológicos, ecológicos e sobre o status de conservação dos botos”, afirma.


Lendas e mitos
– Presente no folclore da região amazônica, o boto vermelho sempre foi personagem de destaque de lendas e mitos. Contudo, o estudo também revela que a lenda do boto que se tornou homem para encantar mocinhas já não faz mais parte do imaginário de grande parte da população.

Segundo Carla Barezani, a pesquisa aponta variações intra-culturais de percepção em relação a esses animais, principalmente, entre universitários e estudantes de ensino médio. “Com isso, é possível observar uma quebra de tabus e a conseqüente desmistificação de lendas e mitos sobre o boto vermelho”, afirma.

Porém, conforme os dados obtidos, é justamente essa parcela da população, formada por estudantes universitários e do ensino médio, que se mostra preocupada com o risco de extinção da espécie, diferente dos entrevistados com idade acima de 35 anos que, apesar de serem unânimes quanto à crença popular, não acreditam que os botos sofrem quaisquer tipos de ameaças.

 

Estudo de caso – A fase final de desenvolvimento da dissertação teve como foco a interação entre os animais e os humanos.  Para tanto, foi feito um estudo de caso em Novo Airão (distante a 250 quilômetros de Manaus via fluvia), tendo como ponto de partida a análise comportamental de botos que se aproximam e nadam junto a pessoas de maneira amistosa.

“A aproximação dos botos junto a pessoas se deve a iniciativas das irmãs Marisa e Monick Medeiros que, enquanto pescavam, um boto (chamado por elas de Curumim) tirou o peixe do anzol e a partir daí, elas passaram a oferecer peixe e posteriormente nadar com esse boto”, esclarece a pesquisadora.

Segundo Carla Barezani, a identificação dos animais foi feita por marcas naturais, tamanho corporal e coloração. Os dados utilizados para o estudo de comportamento de interação boto/humano foram coletados nos momentos em que os animais se aproximavam das pessoas para se alimentar, sendo que para estudar as associações dos botos, foi utilizado o método de avistagem instantânea, aliado ao registro de encontro de grupos ou indivíduos e de eventos raros.

Das observações efetuadas, foi possível concluir que oito botos foram observados interagindo de forma amistosa entre si e com os humanos, visando simplesmente uma aproximação por “curiosidade” ou a busca de alimentos.  A análise de agrupamento dos animais sugere que os botos não apresentam padrão de associação, ou seja, não há formação de grupos estáveis ou duradouros, diferente de outras espécies de cetáceos, como é o caso dos golfinhos de Hector (Cephalorhynchus hectori), cujos registros mostram a formação de pelo menos três grupos populacionais.

      
Conforme a pesquisadora, durante o estudo não foi registrada nenhuma forma de agressão por parte dos botos e que, ao contrário, a interação com os cetáceos surpreende as pessoas pela tranqüilidade do contato. “Essa atividade, inclusive, está servindo de estímulo para o turismo na região”, comenta.

      
Carla Barezani defende a adoção de campanhas educativas junto à população e turistas com o objetivo de estimular a preservação da espécie. “Precisamos discutir a importância desses animais para o ecossistema aquático da região, as potenciais ameaças por eles sofridas, além de divulgar a legislação vigente para a sua proteção”, diz a pesquisadora, ressaltando ainda a necessidade de ampliação da literatura científica sobre a espécie.

Lisângela Costa –  Agência Fapeam

 

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